Em blog anteriormente publicado aqui, apresentei uma contabilidade macroeconômica pela qual sabemos que o déficit público permite ao setor privado acumular riqueza financeira líquida. De fato, mostramos que a economia pode ser apresentada como um balanço de três setores - privado, público e resto do mundo - os quais se compensam mutuamente. A contabilidade macroeconomica apresentada é apenas um resultado lógico que nada diz sobre causalidades. Não chega a ser, portanto, uma teoria. É apenas uma necessidade lógica da contabilidade de gastos e recebimentos, ativos e passivos para o conjunto da economia. Ainda que muito precise ser dito (mas ainda não será) sobre as hipóteses de comportamento, e assim da teoria subjacente a qualquer análise, faz-se aqui uma primeira consideração sobre as tragédias financeiras nos dois lados do Atlântico, que decorrem em parte da incompreensão da contabilidade macroeconômica e consequentemente das políticas que aprofundam a catástrofe ao invés de superá-la. Parte, obviamente, das catastrofes americana e européia é devida as forças da ideologia livre mercadista e do poder financeiro dos money managers.
Comecemos nossa análise pela situação econômica trágica que vivem os Estados Unidos. Como se sabe, a crise financeira que tem assustado, provocado apreensão e elevado a incerteza ao redor do mundo eclodiu na economia americana em 2008. Desde o início dessa crise, o desemprego oficial nos EUA cresceu a mais de 10% da população economicamente ativa e, três anos depois, ainda não baixou dos 9%. Uma informação mais detalhada mostra, ainda, que a taxa da força-de-trabalho subutilizada vai além dos 16% da população economicamente ativa americana. E, diante da emergência da Primavera Londrina promovida por uma juventude ociosa, empobrecida e desesperançada, é assustadora e preocupante a taxa de 25% de desemprego entre jovens de 16 a 19 anos de idade nos EUA. A face monetária do crescente desemprego é a queda na renda americana que durou seis trimestres seguidos desde o segundo semestre de 2008. Colocados conjuntamente e analisados sob a ótica da relação gasto-renda sintetizada na contabilidade macroeconômica, fica claro o circulo vicioso cumulativo em que se encontra a economia americana. A queda no emprego leva a redução da renda dos trabalhadores e de seu consumo. A queda no consumo leva a quedas nas vendas e novamente ao crescimento na taxa de desemprego. A queda na geração de renda e de emprego eleva o endividamento do setor privado americano. Nada sugere, portanto, que o setor privado esteja em condições financeiras para suportar uma recuperação pela via do investiemnto ou do consumo Segundo a contabilidade macroeconômica nos sugere, restam aos americanos duas vias para se recuperarem: o déficit público ou o superávit na conta corrente do balanço de pagamentos.
De fato, a estratégia de desvalorização do dólar frente as demais moedas parece ter a pretensão de querer recuperar a economia americana pela via dos mercados externos. O déficit em conta corrente americano que em 2006 chegou a 6% do PIB, seu mais alto patamar em 50 anos, caiu a 3,5% do PIB em 2010. Todavia, além de não ter conseguido tirar a economia americana da recessão, a estratégia já mostra dificuldades de se autosustentar uma vez que os parceiros comerciais americanos, principalmente a Europa, enfrentam uma recessão e também tentam se recuperar via mercados externos com desvalorizações de suas moedas (no caso da China trata-se de desvalorizar o yuan para proteger seus mercados externos). Os EUA e seus parceiros entram, assim, na conhecida via do empobrecimento do vizinho. Um tiro no pé pois, se os vizinhos estão mais pobres menos poderão comprar da produção do parceiro comercial. Pior, se os vizinhos seguem a mesma política, todos correrão desesperadamente para o fundo do poço acreditando que estão saindo dele por uma porta secreta. Chama-se a isso de falácia da composição, isto é, o que parece racional de se fazer para um indivíduo termina produzindo o resultado oposto do desejado no agregado.
Já a via do déficit fiscal provoca aumentos das rendas privadas diretamente. Firmas e trabalhadores beneficiados pelos gastos públicos observam um aumento de suas rendas. Rendas privadas crescentes faz aumentar a riqueza privada e diminuir o endividamento. Gastos em consumo são elevados e na sequencia, investimentos privados são incentivados. Entra em operação o famoso multiplicador de renda e emprego keynesiano. Sem dúvida, as importações americanas aumentariam com o aumento do consumo e do investimento americano e seus parceiros comerciais também teriam benefícios dessa política. Parceiros comerciais com maior renda também aumentariam seus gastos em produtos americanos estimulando o conhecido supermultiplicador keynesiano. Claro, com a política fiscal inversa, isto é de superávits, o que se verá é o aprofundamento da recessão americana. E dado sua posição econômica no mercado mundial, uma exportação de recessão para o resto do mundo.
Diante deste quadro e do que discutimos sobre os balanços macroeconômicos das distintas unidades, está claro que a ideologia neoliberal radical do Tea Party não pode mais do que levar a economia americana à lona e ainda rebocar o restante do mundo com ela. Despida dessa ideologia e baseados na contabilidade macroeconômica, uma recuperação da economia americana só deverá ocorrer quando o governo puder operar déficits públicos que compensem os déficits em transações correntes e permitam o setor privado a se livrar das dívidas acumuladas e passar a acumular ativos. Daí, então, o fortalecimento financeiro do setor privado, particularmente dos trabalhadores, poderá operar no sentido de restabelecer a confiança de consumidores e pequenos empresários e elevar os gastos de consumo e investimento novamente. Antes disso, os bancos e as empresas continuarão a reter liquidez na forma de títulos e moeda do governo e nada de o emprego se recuperar.
A crise Européia também se agrava por razões similares as americanas e por outras próprias da União Européia. A razão particularmente européia dessa crise se encontra nas regras estabelecidas pela União Européia. No campo comercial, os países europeus que primeiro sentiram a crise se endividaram como consequencia da política Alemã e Francesa de reajustar seus salários abaixo do crescimento da produtividade. A Alemanha e França tornaram-se superavitários contra seus vizinhos. Como o acordo de Maastricht torna a União Européia uma nação ficticia, onde na verdade os estados nacionais apenas abrem mão de sua soberania monetária mas não congregam um estado-nação de fato, o ajuste não é compartilhado entre superavitários e deficitários mas, pelo contrário, está sendo cobrado apenas dos deficitários. A continuar nessa toada, a Alemanha continuará empobrecendo seus vizinhos e tornando ainda mais difícil um ajuste para os deficitários. As regras fiscais e monetárias de Maastricht, mais as políticas contracionistas adotadas por toda a Europa, também impedem os governos de adotarem políticas fiscais que recuperem a renda e a capacidade do setor privado de reduzir seu endividamento. Os ciclos de especulação e desconfiança tendem a se repetir nos mercados financeiros a cada sinal de fraqueza na economia real, a cada negociação que apresenta as mesmas medidas fracassadas de austeridade fiscal para países em recessão.
Talvez fosse o caso da Alemanha ouvir o que Keynes havia dito sobre o Acordo de Versalhes, acordo que penalizou a Alemanha sem levar em conta os interesses maiores da unidade européia e contribuiu para as condições políticas e econômicas que levaram à Segunda Guerra Mundial. Disse Keynes no prefácio à edição francesa de seu As Consequências Econômicas da Paz: “os nossos representantes na conferência de Paris cometeram dois grandes erros contra os nossos interesses. Ao exigir o impossível, desprezaram a substância em favor de uma sombra, e terminarão por perder tudo.”
Como se viu na crise fabricada sobre a insolvência da dívida pública americana e nas negociações de socorro à Grécia, os interesses maiores que comandam os governos dos dois lados do Atlântico estão ligados aos mercados financeiros. E também já está claro para a maioria (e até para alguns beneficiários do rentismo) que a eutanásia do retismo preconizada por Keynes terá de estar entre as medidas de política econômica que queiram efetivamente restabelecer o nível de emprego e de renda de europeus e de americanos. Caso contrário, resta evidente que a estabilidade com pleno emprego será mera retórica na boca de políticos aturdidos por seus déficits de legitimidade.
Comecemos nossa análise pela situação econômica trágica que vivem os Estados Unidos. Como se sabe, a crise financeira que tem assustado, provocado apreensão e elevado a incerteza ao redor do mundo eclodiu na economia americana em 2008. Desde o início dessa crise, o desemprego oficial nos EUA cresceu a mais de 10% da população economicamente ativa e, três anos depois, ainda não baixou dos 9%. Uma informação mais detalhada mostra, ainda, que a taxa da força-de-trabalho subutilizada vai além dos 16% da população economicamente ativa americana. E, diante da emergência da Primavera Londrina promovida por uma juventude ociosa, empobrecida e desesperançada, é assustadora e preocupante a taxa de 25% de desemprego entre jovens de 16 a 19 anos de idade nos EUA. A face monetária do crescente desemprego é a queda na renda americana que durou seis trimestres seguidos desde o segundo semestre de 2008. Colocados conjuntamente e analisados sob a ótica da relação gasto-renda sintetizada na contabilidade macroeconômica, fica claro o circulo vicioso cumulativo em que se encontra a economia americana. A queda no emprego leva a redução da renda dos trabalhadores e de seu consumo. A queda no consumo leva a quedas nas vendas e novamente ao crescimento na taxa de desemprego. A queda na geração de renda e de emprego eleva o endividamento do setor privado americano. Nada sugere, portanto, que o setor privado esteja em condições financeiras para suportar uma recuperação pela via do investiemnto ou do consumo Segundo a contabilidade macroeconômica nos sugere, restam aos americanos duas vias para se recuperarem: o déficit público ou o superávit na conta corrente do balanço de pagamentos.
De fato, a estratégia de desvalorização do dólar frente as demais moedas parece ter a pretensão de querer recuperar a economia americana pela via dos mercados externos. O déficit em conta corrente americano que em 2006 chegou a 6% do PIB, seu mais alto patamar em 50 anos, caiu a 3,5% do PIB em 2010. Todavia, além de não ter conseguido tirar a economia americana da recessão, a estratégia já mostra dificuldades de se autosustentar uma vez que os parceiros comerciais americanos, principalmente a Europa, enfrentam uma recessão e também tentam se recuperar via mercados externos com desvalorizações de suas moedas (no caso da China trata-se de desvalorizar o yuan para proteger seus mercados externos). Os EUA e seus parceiros entram, assim, na conhecida via do empobrecimento do vizinho. Um tiro no pé pois, se os vizinhos estão mais pobres menos poderão comprar da produção do parceiro comercial. Pior, se os vizinhos seguem a mesma política, todos correrão desesperadamente para o fundo do poço acreditando que estão saindo dele por uma porta secreta. Chama-se a isso de falácia da composição, isto é, o que parece racional de se fazer para um indivíduo termina produzindo o resultado oposto do desejado no agregado.
Já a via do déficit fiscal provoca aumentos das rendas privadas diretamente. Firmas e trabalhadores beneficiados pelos gastos públicos observam um aumento de suas rendas. Rendas privadas crescentes faz aumentar a riqueza privada e diminuir o endividamento. Gastos em consumo são elevados e na sequencia, investimentos privados são incentivados. Entra em operação o famoso multiplicador de renda e emprego keynesiano. Sem dúvida, as importações americanas aumentariam com o aumento do consumo e do investimento americano e seus parceiros comerciais também teriam benefícios dessa política. Parceiros comerciais com maior renda também aumentariam seus gastos em produtos americanos estimulando o conhecido supermultiplicador keynesiano. Claro, com a política fiscal inversa, isto é de superávits, o que se verá é o aprofundamento da recessão americana. E dado sua posição econômica no mercado mundial, uma exportação de recessão para o resto do mundo.
Diante deste quadro e do que discutimos sobre os balanços macroeconômicos das distintas unidades, está claro que a ideologia neoliberal radical do Tea Party não pode mais do que levar a economia americana à lona e ainda rebocar o restante do mundo com ela. Despida dessa ideologia e baseados na contabilidade macroeconômica, uma recuperação da economia americana só deverá ocorrer quando o governo puder operar déficits públicos que compensem os déficits em transações correntes e permitam o setor privado a se livrar das dívidas acumuladas e passar a acumular ativos. Daí, então, o fortalecimento financeiro do setor privado, particularmente dos trabalhadores, poderá operar no sentido de restabelecer a confiança de consumidores e pequenos empresários e elevar os gastos de consumo e investimento novamente. Antes disso, os bancos e as empresas continuarão a reter liquidez na forma de títulos e moeda do governo e nada de o emprego se recuperar.
A crise Européia também se agrava por razões similares as americanas e por outras próprias da União Européia. A razão particularmente européia dessa crise se encontra nas regras estabelecidas pela União Européia. No campo comercial, os países europeus que primeiro sentiram a crise se endividaram como consequencia da política Alemã e Francesa de reajustar seus salários abaixo do crescimento da produtividade. A Alemanha e França tornaram-se superavitários contra seus vizinhos. Como o acordo de Maastricht torna a União Européia uma nação ficticia, onde na verdade os estados nacionais apenas abrem mão de sua soberania monetária mas não congregam um estado-nação de fato, o ajuste não é compartilhado entre superavitários e deficitários mas, pelo contrário, está sendo cobrado apenas dos deficitários. A continuar nessa toada, a Alemanha continuará empobrecendo seus vizinhos e tornando ainda mais difícil um ajuste para os deficitários. As regras fiscais e monetárias de Maastricht, mais as políticas contracionistas adotadas por toda a Europa, também impedem os governos de adotarem políticas fiscais que recuperem a renda e a capacidade do setor privado de reduzir seu endividamento. Os ciclos de especulação e desconfiança tendem a se repetir nos mercados financeiros a cada sinal de fraqueza na economia real, a cada negociação que apresenta as mesmas medidas fracassadas de austeridade fiscal para países em recessão.
Talvez fosse o caso da Alemanha ouvir o que Keynes havia dito sobre o Acordo de Versalhes, acordo que penalizou a Alemanha sem levar em conta os interesses maiores da unidade européia e contribuiu para as condições políticas e econômicas que levaram à Segunda Guerra Mundial. Disse Keynes no prefácio à edição francesa de seu As Consequências Econômicas da Paz: “os nossos representantes na conferência de Paris cometeram dois grandes erros contra os nossos interesses. Ao exigir o impossível, desprezaram a substância em favor de uma sombra, e terminarão por perder tudo.”
Como se viu na crise fabricada sobre a insolvência da dívida pública americana e nas negociações de socorro à Grécia, os interesses maiores que comandam os governos dos dois lados do Atlântico estão ligados aos mercados financeiros. E também já está claro para a maioria (e até para alguns beneficiários do rentismo) que a eutanásia do retismo preconizada por Keynes terá de estar entre as medidas de política econômica que queiram efetivamente restabelecer o nível de emprego e de renda de europeus e de americanos. Caso contrário, resta evidente que a estabilidade com pleno emprego será mera retórica na boca de políticos aturdidos por seus déficits de legitimidade.